Ontem, enquanto caminhava, notei, parado no semáforo, uma kombi, velha, surrada, dessas que algumas pessoas usam para recolher material para reciclagem, da cor já não era branca e sobre ela tinha um bagageiro, preso a ele, com cordas também surradas, um gigantesco ursão de pelúcia, era transportado.
Me lembrei do King Kong, sendo levado para longe do seu lar...
Aquele ursão, que já foi simbolo de um grande amor, agora seguia para sabe lá, onde.
Seguie ele, melancólico, por deixar uma história para trás e ao mesmo tempo alegre porque ia viver uma nova história.
Acho que ele sentia que agora sim, ia brincar, rolar na mão de uma criança, correr pelas calçadas, comer papás imaginários. Ver o sorriso de uma criança que só ganha presentes de 2ª mão.
Não ficaria mais, ali no canto, esperando sua dona chegar, com seus humores bipolares, característicos de todo relacionamento apaixonado.
Sendo chutado e socado quando as coisas não estavam bem, apertado e molhado por águas salgadas, nos momentos de tristeza e afagado e aquecido quando tudo estava mil maravilhas entre o casal apaixonado.
Vi a cena, não fotografei, nem relatei. Guardei para mim, porém, hoje, na hora do almoço, quando estou saindo do plantão, para ir no shopping ao lado, vejo um caminhão de reciclagem, carregado até a boca de cacarecos, passando.
Magicamente, a soma de um vento brincalhão, com um arteiro buraco, fazem com que o conteúdo do caminhão sacoleje e despeje no chão um trapo e um coração de pelúcia.
Também grande, pouco usado. Este inclusive parecia de um amor mais breve. Alguma relação que não durou muito tempo.
Tinha ele dois braços vermelhos, que ficaram abertos, ali, no meio fio.
Corações são bobos!
Mesmo ali, ele continuava sorrindo.
Passaram algumas motos, alguns carros, ao seu lado, até que um casal se aproxima, já maduros, ainda andando lado a lado.
Ela para, se abaixa, estende sua mão e acolhe aquele coração perdido.
Seguem, então, os três, de mãos dadas.
Decidi fotografar a cena, mas, corações são tímidos. Toda vez que eu apontava a câmera do smartphone ele se virava, ficava de perfil.
Então, caminhei, tentando entender tudo aquilo e cheguei a uma conclusão:
Se até os ursos de pelúcia e os corações com braços podem ser reciclados e começarem uma nova história, o que impede uma pessoa de se reciclar e viver um novo amor, uma nova vida?
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